À CONVERSA COM LEONARDO SILVA
Começou a escrever por causa das "garotas"!
Leonardo Lopes da Silva nasceu a 25 de Abril de 1981 e é muito curioso, teimoso e generoso. Gosta de ir ao cinema e teatro, e de fazer longas caminhadas pela cidade. É professor de inglês e português para estrangeiros, tradutor e intérprete. Actua como voluntário num abrigo de animais abandonados com a sua esposa, e publicou o seu primeiro livro em Outubro de 2015 com a Chiado Editora – "A língua do pulsar".
Débora: Como surgiu o gosto pela escrita?
Leonardo: Desde a infância, fui um ávido leitor, de revistas de quadrinhos à mitologia greco-romana. A possibilidade de visitar um mundo totalmente imaginário, que dependesse puramente de minha mente para que existisse, já me parecia maravilhosa o suficiente. Porém, com a minha adolescência, passei a sentir vontade de escrever as famigeradas e mal-fadadas "cartas de amor" a meninas e garotas a quem eu direcionava as minhas paixonites, pois eu era (talvez ainda seja) terrivelmente tímido e introvertido e não sabia dos vários protocolos a ser seguidos para que fizesse as minhas intenções bem compreendidas, e para fazer me mais interessante. Foi num exercício de escrita de aula de português, com a devida estimulação (luzes baixas e música relaxante), que escrevi o meu primeiro poema, o (título tão inovador) “Diante da noite estrelada”, que foi usado no concurso de talentos da minha escola, e que ganhou o 1º lugar na categoria "poesia" do meu turno, aos 14 anos. Daquele ponto em diante, passei a concentrar me mais em melhorar a minha escrita, que era ou piegas demais ou artificial demais, presa a formas fixas e rimas pobres. Porém, quando apaixonei-me dolorosamente e obsessivamente por uma garota na minha escola aos 16 anos, ao ponto de escrever 20 poemas sucessivos a ela, a poesia alcançou um ponto de ebulição que nunca tinha visto. A poesia passou a ser um meio de mediar as turbulências do meus mundos interior com o exterior. Uma sublimação, um desabafo, uma tentativa de cura. A poesia passou a retratar algo real dentro de mim. Desde então, escrever tem sido isso - uma forma de (re) encontrar-se, desbravar a geografia interior, e deixar transbordar essas misturas de impressões e expressões, criar a minha própria língua e vocábulos.
Débora: Começou bem cedinho, qual foi a sensação de ficar em 1º lugar no concurso escolar?
Leonardo: Fiquei muito honrado e de peito estufado, apesar de na placa comemorativa não constar o prêmio nem o meu nome, mas tinha a impressão de ter sido sorte de principiante
Débora: Quando é que se apercebeu que não era sorte?
Leonardo: Creio que o que me incomodava era o facto de nunca ter lido poemas até então, só me valia de música e de letras de música como referência, então tudo parecia como uma canção, com uma estrutura engessada. Até poder lançar o meu livro, talvez? Tinha um medo tremendo de ser mal julgado pelo que escrevi. Até que, com o suporte de um punhado de amigos, eu ganhei coragem o suficiente para julgar os meus poemas com um pouco mais de piedade.
Débora: E, porque é que achava isso?
Leonardo: Achava isso porque não sentia uma originalidade. Originalidade é algo muito caro para quem escreve no vácuo e vive reeditando e reavaliando o que escreve.
Débora: Então a publicação do seu livro aconteceu em virtude da teimosia dos seus amigos? O que foi que eles disseram?
Leonardo: Não, não foi teimosia deles. Eu simplesmente deixei de ficar adiando. Depois de 18 anos escrevendo, você alcança uma maturidade, e passa a compreender quem você é, e o que você quer escrever. Aceita o seu eu mais novo é mais imaturo. Eu pensei que se não fosse agora, não seria nunca, e que não custava nada tentar expor os meus poemas ao mundo. Eu acho que eu preciso deixar um tipo de legado, além do meu trabalho como educador, e os meus escritos, por mais imperfeitos e derivativos que sejam, representam um pouco deste legado.
Débora: Como foi descobrir o "seu mais novo lado"?
Leonardo: Descobrir o novo lado foi no mínimo estranho. Fui criado num bairro grande do Rio de Janeiro, mas com um estilo de vida de cidade pequena. Todos me conheciam como o “Teacher Leo”. Assim como em família, para todos foi uma surpresa grande conhecer o filho/neto/amigo/professor poeta. Usar palavras para descrever e explicar os poemas foi um exercício a qual não estava acostumado. Foi um desafio bem-vindo.
Débora: Quais foram as palavras, por exemplo da sua mãe, quando soube que tinha um filho poeta?
Leonardo: Ela me disse que sua missão estava cumprida, pois ela foi a pessoa que me estimulou a ler desde a infância, e que mal podia se conter de tanto orgulho. Ela também afirmou que o fato de eu ter decidido escrever e publicar foi uma forma de motivar as pessoas em nossa família e círculo de amigos a ler mais, interessar se não apenas por poesia, mas por leitura em geral. Acho isso muito recompensador é positivo.
Débora: A sua mãe foi a sua fonte de inspiração? No que se inspira quando escreve?
Leonardo: Não, no começo, escrevia tendo as garotas por quem me apaixonei como inspiração, mas com o passar do tempo, passei a utilizar eventos do dia a dia, momentos históricos da década de 90 e da primeira década do século XXI, como a invasão do Iraque pelos EUA, as mudanças ocorridas no nosso modo de vida, de um mundo analógico para o digital e todas as suas consequências, e o correr da vida, os erros, os acertos e as novas experiências, além do fato de estar me tornando mais independente e buscando os meus próprios caminhos, além da minha família e origens, para conhecer o mundo, viajar, e expandir o meu mundo interior. Depois, já na faculdade de letras, descobri minha paixão por poesia inglesa, Americana, Portuguesa e Brasileira. E passei a me inspirar nos escritos de Shelley, Byron, Tennyson, Hardy, D.H.Lawrence, Ogden Nash, Don Marquis, Walt Whitman, E.E.Cummings, toda a geração beat, além, obviamente, de Shakespeare, Goethe, Camões, Baudelaire. Os grandes mestres e mestras, nutro grande carinho por dois maravilhosos poetas, que poucos conhecem, Cruz e Souza, poeta simbolista Brasileiro, e Wilfred Owen, poeta de guerra britânico e Emily Dickinson, Elizabeth Browning, Cecília Meireles e Cora Coralina. Pois bem, todas essas experiências de leitura e de vivências me ajudaram a consolidar um estilo próprio, que se “apropria” de um elemento de um poeta e de outro, mas que se afirma aos poucos com mais firmeza.
Débora: Como acha que as pessoas descrevem a sua poesia?
Leonardo: O ideal é escrever um poema coeso, conciso, que consiga captar uma ideia ou sensação de forma poderosa e memorável, com imagens, sons e metáforas que tirem o leitor do lugar comum, que o levem a repensar o que leu. As pessoas descrevem os meus poemas como intensos, de tirar o fôlego, inquietos... Com um ritmo marcante e uma brincadeira com a língua na qual escrevo.
Débora: E, como foi escrever este livro - “A língua do pulsar”?
Leonardo: Grande parte já estava pronta, precisava apenas reapresenta-los de uma forma que fizesse sentido, pois cobre um longo período de tempo. Foi muito difícil resistir à tentação de reescrever os poemas mais antigos, porque claramente não refletem o meu estado de ser agora. Mas controlei me e mantive grande parte dos mesmos intactos, mesmo sentindo um certo desconforto ao lê-los de novo. Eu quis apresentá-los baseados em capítulos que tratassem de um tema unificador, então, levei bastante tempo categorizando os poemas, retocando algo aqui e ali, Sentindo um pouco a pressão do tempo, pois precisei fazer tudo isso no tempo livre que tinha, entre as aulas e a vida doméstica.
Débora: O que diz o seu coração?
Leonardo: Que ele está ali para que você reconheça o seu ritmo e pulsão interior, unicamente sua. Que não se pode negligenciar o que está a dizer, pois não existe como uma entidade separada de sua racionalidade - pode se sentir algo com a sua mente, e que pode se usar a razão com o seu sentimento; é preciso ser integral no seu viver, e não binário; que a oportunidade de viver a vida por completo não está perdida em um canto do passado ou num projecto futuro, mas no celebrar deste momento, seja ele bom ou mau. E finalmente, que por mais que encontremos respostas para cada mistério que nos cerca, há algo, ou melhor, alguém, ou melhor, um todo, um tudo além de nosso vão entendimento, que nos trouxe até a este ponto, e que nos alimenta, nos sustém, chama-nos para ir além, apesar de estarmos eternamente mal - equipados para chegar a Ele. Alguns podem chamar isso de Existência. Deus é o seu nome, e não há humanidade sem a busca incessante pelo Divino que transcende a todos nós.
Débora: O que gostaria de dizer para finalizar esta entrevista?
Leonardo: O que desejo dizer é o seguinte - é importante reconhecer-se, não importa o que você faz. Tudo o que você faz tem de reflectir as suas mais profundas paixões, convicções e pensamentos. Não deixe que ditem a você o que fazer, o que falar, como ser. Vivencie algo, arrisque-se, ponha a sua cara à tapa, para que você aprenda o que você realmente quer da vida. E não se julgue demais, permita-se ser ouvido. A sua voz, autêntica, pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas. Nunca deixe de ler, nunca deixe de estar aberto, receptivo, pronto para aprender e experimentar algo novo. Assim você poderá encontrar o seu graal e sua eterna juventude.
Débora: Obrigada, muito sucesso para si!
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Foto: Concebida pelo autor
Ler resenha do livro "A língua do pulsar: http://deboramacedoafonso.wix.com/dmacedoafonso#!A-LÍNGUA-DO-PULSAR/bs3vj/56e430060cf214c0a972395c