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À CONVERSA COM OLAVO MOREIRA

De professor a escritor!

Olavo Moreira nasceu a 17 de Agosto de 1977, gosta de ver filmes e séries, de praticar desporto, viajar e claro ler. É professor de Português e de Comunicação Empresarial e publicou em Setembro de 2015 com a Chiado Editora o seu primeiro livro – “Se o abismo existe”.

Débora: Quando é que ganhou o gosto pela escrita?


Olavo: Há muitos anos que escrevo. A primeira vez que tive positivamente a necessidade de o fazer foi após uma visita à Sé de Braga, no meu primeiro ano na Universidade do Minho, tinha 18 anos. Revoltado com os tesouros que aquelas muralhas escondiam, que alimentariam muitas bocas que a Igreja diz proteger, despejei a minha indignação para cerca de uma dúzia de páginas de um caderno preto, que a partir desse momento passou a ser uma espécie de diário, no qual escrevia episodicamente, sem método algum. Alguns anos mais tarde, por convite, escrevi reportagens, artigos de opinião e crónicas para os jornais “Tribuna Press” e “Praça Pública”. Tenho quase uma centena de texto guardados: crónicas, nanocontos, microcontos, contos, epigramas, opúsculos e ensaios. A única coisa que desejei publicar, por achar que tinha qualidade suficiente para esse fim, foi mesmo este “Se o abismo existe”.


Débora: Seguiu a carreira profissional de professor, porquê? Foi por causa de gostar de escrever?


Olavo: Na medida em que analisamos, às vezes até um estado de exaustão fastidiosa, as pessoas que escrevem e aquilo que escrevem, a minha profissão está intimamente relacionada com a produção literária. Não obstante, o gosto, ou a necessidade, da escrita, não é uma condição sine qua non para que se seja professor de Português. Decidi ser professor porque sempre gostei de bons professores. Pareciam-me pessoas interessantes, gentis, disponíveis e próximas, dotadas do dom da palavra, capazes de fazer os outros ouvir, tarefa tantas vezes tão inglória. Agradava-me a ideia de uma profissão que não me obrigasse a uma rotina rígida, encerrado num gabinete das nove às cinco, submerso em papelada e tarefas repetitivas. Talvez escrever tivesse alguma coisa a ver com isso, ainda que o verdadeiro interesse pela escrita só tenha surgido após ter concluído a minha formação.


Débora: Teve algum professor que o tenha inspirando para seguir a profissão?


Olavo: Acho que não houve ninguém em concreto que eu reconhecesse como o modelo do professor que eu gostaria de vir a ser. Porém, houve um que me ficou para sempre na memória: o Dr. Manuel Santos Alves, meu professor nas cadeiras de Estudos Camonianos e Pessoanos e Literatura Comparada. Senhor de um conhecimento enciclopédico da literatura, dizia de cor, em grego, estrofes inteiras da Odisseia, e era capaz de, concomitantemente, ter os interesses do homem comum. O episódio com ele que mais me marcou ocorreu quando, durante uma frequência do segundo semestre, em Julho, o Dr. Santos Alves, de olhos postos nos jornais desportivos que, sobretudo nessa altura do ano, debitam sem clemência rumores sobre transferências de jogadores de futebol, tentava adivinhar, escrevendo numa pequena folha de papel, qual seria a constituição da equipa do Sporting Clube de Portugal para a época que estava prestes a iniciar-se. Apesar de ser portista, aquela ação, que o situava, pelo menos aparentemente, nos antípodas do que seria expetável num erudito, foi a que me marcou para sempre.


Débora: O que é para si escrever?


Olavo: Escrever é uma forma de comunicar, como qualquer outra. A grande mágoa da minha vida é não saber/conseguir desenhar. Adorava fazê-lo durante horas a fio, mas sou incapaz de me entregar a tarefas que não sou, nem vou ser, capaz de desempenhar bem, portanto não o faço de todo. Talvez a escrita seja o desenho de que tanto gosto, mas que nunca me sai. A escrita é o meu ponto forte. E enfatizo o “meu”, na medida em que aceito quem ache que não escrevo particularmente bem ou que perco na comparação com muitos outros. Em todas as outras formas de comunicação, eu não sou tão bom. Se gosto de escrever? Sim, gosto, tanto quanto se pode gostar de uma coisa que dá imenso trabalho. Cada frase é um Everest. A escrita não me é uma coisa fácil, raramente flui ou sai sem esforço.


Débora: Qual o tema/ foco de seu livro?


Olavo: Não obstante as múltiplas dimensões narrativas que tange, “Se o abismo existe” é, fundamentalmente, a radiografia do monstro perverso que nos habita, diferente e igual em cada um de nós.


Débora: Como é que descreve esse monstro que “nos” habita?


Olavo: O monstro é em si próprio a manifestação do ódio, às vezes justificado e justificável outras vezes nem por isso, já que é apenas a necessidade de odiar, intrínseca ao ser humano, despojada de propósito nítido e mensurável. O monstro é a inveja, o despeito, a raiva, o complexo, a inaceitação da diferença, o maniqueísmo, a hipérbole, o excesso.


Débora: Porque é que sentiu necessidade de abordar este tema?


Olavo: Eu quis falar de pessoas e mostrá-las como os seres cinzentos que são. Não tenho nada contra os vilões e os heróis da literatura, mas pretendi um romance despojado de uns e livre de outros. Contudo, acho que para o narratário são bastante mais nítidos os defeitos do que as virtudes das personagens, talvez porque seja igualmente mais interessantes de um ponto de vista sobretudo literário. Acho particularmente interessantes as justificações que o ser humano consegue inventar para defender as acções mais pérfidas. Habitualmente, disfarça-as como vingança, a qual, depois, opta por apelidar de justiça. E a justiça jamais é injusta.


Débora: O que é para si justiça?


Olavo: É um conceito demasiado gasoso, porque vago e extraordinariamente subjectivo, que facilmente, de forma deliberada ou sem querer, se confunde com a moral. Aquele que é, ou julga ser, detentor ou agente da justiça é um ser muito poderoso e, por isso, pode ser, na mesma medida, alguém extraordinariamente perigoso. Não obstante, sou um crente na Justiça - aquela que no nosso imaginário colectivo aparece vendada a segurar os pratos de uma balança - e nas instituições que a promovem, que, apesar de não serem isentas de erro, são o principal garante da ordem.


Débora: O que diz o seu coração?


Olavo: Sinto-o bater, mas tenho bastantes dúvidas se diz alguma coisa. O meu processo de escrita é muito mais racional do que emotivo e aqui evoco o Pessoa para me explicar “Gira, a entreter a razão/Esse comboio de corda/ Que se chama coração.” Eu não sou um escritor. Sou um tipo que escreveu um livro e não sabe se escreverá mais algum.


Débora: O que gostaria de dizer para finalizar esta entrevista?


Olavo: Se esta entrevista lhe despertou a curiosidade e lhe aguçou o interesse, não deixe de ler “Se o abismo existe”. O livro não é assim tão caro.


Débora: Obrigada, muito sucesso para si!


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Foto: Concebida pelo autor


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